Cobranças e a saúde mental da mulher
Numa postagem no Instagram, perguntei para as mulheres qual cobrança social elas sentiam como mais cruel.
Todas as opções ficaram com percentagens bem próximas. Vou apresentá-las.
Como mulher, será que você vai se identificar com alguma delas? Como homem, o quanto você colabora com a manutenção dessas opressões?
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Não poder engordar
Vale lembrar:
- Muitas vezes a busca pelo emagrecimento é necessária por questões de saúde e isto realmente precisa ser considerado. Saúde é fundamental, em todos os seus aspectos.
- Existem corpos gordos saudáveis e corpos magros não-saudáveis.
Alguns homens justificam assim seus abdomens dilatados:
- Não é barriga grande! É calo sexual! Já ouviram isso? Conseguem imaginar uma mulher dando a mesma resposta? Como acham que a fala dela seria ouvida pelas pessoas?
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Muitas mulheres nunca serão magras por questões genéticas. Por vários fatores, junto com o processo de envelhecimento, vem um aumento de gordura em partes do corpo, em especial no abdômen. Mas isso não é considerado por nossa sociedade e mulheres permanecem gordas sob o peso da crítica, ora sutil, ora direta.
Mulheres gordas são vistas como preguiçosas, relaxadas, que estão “assim porque querem”. É muito difícil crescer e conviver com desconfirmações permanentes e isto não influenciar na saúde mental destas mulheres.
Quantas mulheres morrem diariamente na busca de um corpo perfeito! Perfeito para quem? Vocês acham que é por acaso que transtornos alimentares como bulimia e anorexia têm maior incidência entre mulheres?
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Não é um processo fácil o de se reconhecer, se aceitar e se amar quando em volta – na família, nas relações afetivas, no trabalho, na mídia – quem você é, é algo que ninguém quer ser. Mas não é impossível. Em especial quando percebemos que muito da nossa dor não diz respeito apenas a nós, mas também fala de uma sociedade doente da qual fazemos parte.
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Não poder envelhecer
Se a velhice faz parte do desenrolar da vida, por que ela é tão desvalorizada? Em especial, por que ela deve ser dissimulada e negada, em especial pelas mulheres?
Ainda que os homens estejam cedendo mais às pressões estéticas, têm pouca repercussão entre estes os procedimentos e produtos que escondem o passar do tempo. Esconder cabelos grisalhos, rugas e linhas de expressão não é uma preocupação dominante no universo masculino. Ao contrário, atributos como segurança, sucesso profissional, experiência (inclusive sexual) são muitas vezes associados aos homens de meia idade. 10
Enquanto isso, mulheres que deixam os cabelos embranquecerem ainda podem ser vistas como relaxadas; mulheres gastam energia e tempo com procedimentos estéticos que talvez não fizessem se tivessem a certeza de que seriam aceitas como são; mulheres vivem em silêncio e constrangidas a menopausa, como se ela fosse lhes retirar a feminilidade e a potência; mulheres se veem preteridas por outras mulheres mais novas, nos relacionamentos amorosos e/ou no trabalho, e se sentem diminuídas em suas histórias de vida e experiências.
Nada disso é fortuito. Afinal, mulheres que não podem mais serem capturadas pela maternidade, que têm um repertório afetivo e sexual desenvolvido ao longo dos anos, que podem acrescentar sabedoria aos conhecimentos adquiridos, muito possivelmente são percebidas como perigosas numa sociedade machista e, por isso, precisam ser paradas.
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Não poder ter "atitudes masculinas"
A crença historicamente construída de que há características masculinas ou femininas essenciais tem criado armadilhas para homens e mulheres e limitado muitas de nós, na tentativa de cabermos na “forma do feminino”, que nem sempre corresponde a quem somos.
Até porque, ninguém nasce e morre imutável. Vamos nos transformando, experimentando e escolhendo, numa dança que com frequência passa longe do que nos é apresentado sobre o que é ser mulher ou homem. 12
Ainda na barriga das nossas mães nos é determinado que meninos vestem azul e meninas vestem rosa. Assim, começamos a introjetar gostos, interesses e desejos que não necessariamente são somos, mas que somos levados a crer que são. E quando de alguma forma nos rebelamos ao script posto?
O que é uma mulher... prática, objetiva, que gosta de futebol, que se interessa por ciências exatas, que não tem jeito com criança, que transa sem envolvimento afetivo, que não tem paciência, direta, que diz não sem culpa, que toma a dianteira, tem iniciativa, se prioriza, diz o que quer claramente na cama e fora dela, que não faz sacrifícios pela beleza, por exemplo? Ela não é uma mulher? O que é uma mulher? 3
Diante de alguns grupos sociais e de algumas pessoas, é difícil para muitas de nós ser uma mulher com “atitudes masculinas”. A cobrança vem de homens e mesmo de mulheres que, por motivos diversos, podem interpretar a diferença como ameaça. E como nós de modo geral procuramos aprovação, sustentar a diferença às vezes pesa. No entanto, excluída esta opção, o que sobra, nos satisfaz?
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Ter que ser uma mãe perfeita
A régua que mede uma mãe é a mesma que mede um pai?
Não. Próxima pergunta.
Brincadeiras à parte, basta um mínimo de sinceridade para reconhecermos que não há outra resposta para esta questão. Nossa sociedade ainda acredita que todas as mulheres nasceram com o desejo de serem mães, que mais cedo ou mais tarde ele vai se manifestar. Se não se manifesta é porque elas são desviantes, exceções olhadas com suspeição. Egoístas. As mulheres “naturalmente” sabem e desejam cuidar de filhos, crianças, animais e de todo ser vivente que demande cuidados, incluídos aí namorados, maridos e familiares.
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E ainda que tantas mudanças sociais importantes tenham acontecido nas últimas gerações, ainda que tantas mulheres tenham se aventurado em funções e atividades ditas masculinas, os homens não abraçaram com o mesmo afinco a ideia de cuidar. E nem se espera tanto isso deles. Afinal, eles não têm muito jeito pra isso, não é?...
Assim, seguem as mulheres nessa dissimetria: foram para o mundo, mas continuam sendo vistas como as maiores responsáveis pela formação dos filhos que não são só delas.
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Aqui não é o caso de duvidar da capacidade de incontáveis mães amarem e se dedicarem imensamente aos seus filhos. No entanto, se faz necessário pensarmos como é cruel atribuirmos às mães responsabilidades, cobranças e culpas pelas quais não podem responder porque não lhes competem exclusivamente.
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Por fim...
Afirmo que a exigência de perfectibilidade materna, a recusa em aceitar mulheres com "atitudes masculinas”, que envelhecem, que engordam, são algumas das formas de controle social que incidem sobre as mulheres. Com o objetivo de barrar histórias de vida originais, que inspirem outras e que aos poucos ponham em xeque nossas estruturas de poder. Mas, ainda assim, seguimos, sonhando e lutando por um modo de viver diferente, bom para todo mundo.